João Carlos Martins Lança Iniciativa de Conscientização Sobre Distonia Focal

22 de janeiro de 2024

O ano era 1961 e o pianista João Carlos Martins, aos 20 anos, já tinha feito sua estréia internacional -muito bem sucedida, aliás. Mas havia algo que o incomodava: ele não conseguia controlar muito bem a mão direita.

Confidenciou a questão a um amigo, que sugeriu que João procurasse outro pianista, o americano Leon Fleisher, que estava no auge da forma, aos 32 anos. João, famoso por sua interpretação da obra de Bach, tomou aulas particulares com Fleisher, que o ajudou a driblar o problema. A fórmula consistia em exercícios fortes e lentos e relaxamento do antebraço a cada nota tocada. Funcionou bem, por um tempo.

Três anos depois, quase uma ironia: Fleisher estava com um problema semelhante. Estava com o anelar e o mindinho da mão direita encurvados. Quando João tinha 30 anos e, Fleisher, 42, houve um reencontro. Foi a vez de o brasileiro ensinar seus truques para o americano. Mas a doença, a distonia focal tarefa-específica, sempre volta, e, no fim, vence. “É possível enganar o cérebro, mas não dura para sempre”, diz João, hoje com 80 anos. Fleisher, morto em 2020, aos 92, dá nome à Fundação Leon Fleisher para Músicos com Distonia. Foi uma causa pela qual o americano se empenhou até o fim da vida. Alguma consolidação do conhecimento médico sobre o tema só veio na década de 1980. Até então, os músicos que sofriam com esse distúrbio recebiam diagnósticos psíquicos, estresse e outros, como LER (lesão por esforço repetitivo), que, no caso de João, se somou à distonia.

“Todo mundo sabia que eu tinha algum problema na mão, mas, ao ver os concertos, as pessoas diziam que eu estava ótimo. Só eu e Deus sabemos o que eu sofri desde os 16 anos”, conta João.

A peculiaridade da distonia é que ela tem origem no cérebro. Com o esforço repetido e intenso, desde uma idade precoce, o “software cerebral” desenvolvido na cabeça dos músicos pode acabar alterando a maneira como operam as áreas que geram os comandos para os dedos (no caso de pianistas) e que integram a informação sonora (emitida pelo instrumento e captada pelo cérebro). Ou seja, é como se houvesse um defeito pelo excesso de uso. Aí, a maneira de enganar o cérebro é mudar a forma como são executados os movimentos. Mas essas manobras têm prazo de validade. Também há componentes genéticos que estão na raiz do problema.

Para gerar conscientização e motivar os cientistas na busca de tratamentos curativos contra a distonia focal, João Carlos Martins está lançando uma iniciativa que vai contar com uma série de ações ao longo dos próximos meses. A primeira é uma palestra como convidado especial do Worldwide Music Conference, congresso que reúne pesquisadores e músicos de todo o globo.

Calcula-se que de 1% a 3% dos músicos profissionais tenham distonia focal e a forma de manifestação varia conforme o instrumento. No caso de quem toca instrumentos de sopro, pode haver comprometimento na função dos músculos responsáveis pela embocadura, diz o neurologista Alexandre Kaup, do Hospital Israelita Albert Einstein e que costuma travar discussões sobre o tema com João.

“Uma característica é que essas pessoas só têm dificuldade no emprego dessa musculatura específica na hora de usar o instrumento. Se o pianista for cortar um bife, a mão funciona. Por isso dizemos que a doença é tarefa-específica”, explica Kaup. Em outros casos, podem ser afetados o pescoço (distonia cervical), as pálpebras (blefarospasmo) e outras áreas do corpo. A doença também atinge esportistas, como golfistas, que podem sofrer com alterações nos punhos.

Uma das grandes mensagens da campanha iniciada por João, que se tornou regente em 2002, mantendo sua forte conexão com a música, é que músicos devem procurar ajuda o quanto antes, já que, se não existe cura, pelo menos há opções de tratamento. Ainda são raros no mundo os centros dedicados ao estudo e tratamento da patologia, mas há o projeto de estruturação de um, por exemplo, na UFG (Universidade Federal de Goiás).

“A doença tem alto impacto não só pela dificuldade de o indivíduo manter performance, mas porque quem perde essa função pode ter sintomas depressivos. Precisamos desmistificar para que todos procurem atendimento”, diz Kaup. Uma primeira linha são exercícios de fisioterapia e terapia ocupacional; também há medicamentos orais, mas eles tendem a causar sonolência, efeito indesejado para quem está preocupado com performance.

Há o tratamento com toxina botulínica (botox), intervenções no cérebro, como cirurgias para causar pequenas lesões nas regiões responsáveis por esses movimentos, e também a estimulação cerebral profunda, feita por meio de uma espécie de marcapasso cerebral. Uma das mais novas tentativas de tratamento é o uso de ultrassom para tentar chegar a um resultado semelhante ao das cirurgias, mas de modo não invasivo. Por fim, como no caso do maestro, é possível empregar órteses, mas, infelizmente, nenhuma das opções é um tratamento definitivo.

“O homem consegue tirar fotografia de uma pedra em Marte, mas ainda não solucionou a distonia focal”, brinca o pianista. “Agora meu sonho é, antes do apagar das luzes, ver isso resolvido.” No finzinho de 2019, o maestro pôde novamente, depois de 22 anos, encostar os dez dedos no teclado, e tem planos de se apresentar ao público -o que já acontece nas redes sociais. Isso se deve ao trabalho do designer industrial Ubiratan Bizarro Costa, 56, que criou as luvas extensoras, apelidadas de biônicas. Foi só aí que João decidiu tratar publicamente “para valer” a distonia.

Claro, a velocidade do maestro no piano com a luva não é a mesma de outrora, mas impressionam a evolução do dedilhado e a emoção que imprime a cada nota. Costa também falará no Worldwide Music Conference, dividindo a palestra com João Carlos Martins. A sessão está marcada para as 21h no dia 22 de abril (mais informações em wwmc. io).

“A dedicação do maestro em criar conscientização mundial por meio de sua notoriedade é um grande avanço para essa causa”, afirma o trompista Glen Estrin, presidente da Fundação para Músicos com Distonia. A próxima grande meta de João já foi traçada: um concerto em 19 de novembro de 2022 no Carnegie Hall, onde se lançou ao estrelato internacional mais de 60 anos atrás. Antes, em junho deste ano, será lançada uma exposição sobre sua vida na Fiesp, com curadoria de Jorge Takla. “João Carlos Martins – 80 anos de Música” estréia em 15 de junho, dez dias antes de o maestro completar 81 anos.

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Folhapress

 

         

Por: Gabriel Alves                

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