A doença pode ser rara, mas o diagnóstico tem que ser comum

22 de janeiro de 2024

O diagnóstico de uma doença rara não pode subtrair possibilidades de se viver bem. Não tem que ser sentença de uma vida infeliz.

Viver com uma doença rara no Brasil é viver rompendo barreiras. A principal e primeira de todas é conseguir vencer o desconhecido e obter o diagnóstico correto da doença. Informações sobre o tema são tão escassas quanto às próprias políticas públicas para atender os pacientes. Um dos motivos para isso é a falta de preparo dos profissionais da saúde que ainda não têm familiaridade com o assunto.

Pensando em pôr luz a essa realidade, a Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência da Câmara, que é presidida por mim, protocolou recentemente um requerimento sugerindo que sejam incluídas disciplinas específicas nos cursos de medicina para que o diagnóstico de doenças degenerativas e doenças raras seja cada vez mais precoce.

Essa é uma diretriz já estabelecida pela Lei Brasileira de Inclusão (13.146/2015), em seu capítulo IV (Educação), onde prevemos a inclusão em conteúdos curriculares, em cursos de nível superior e de educação profissional técnica e tecnológica, de temas relacionados à pessoa com deficiência em seus respectivos campos de conhecimento. Essa mudança é algo que venho pleiteando junto ao Conselho Nacional de Educação, quando em 2015 solicitamos a revisão curricular dos cursos no país.

Para quem não sabe, são consideradas raras as doenças que afetam até 65 pessoas em cada 100 mil. Em conjunto, esses pacientes representam de 6% a 8% da população. Estima-se, portanto, que há cerca de 13 milhões de brasileiros com alguma doença rara. Muitos sem atendimento e tratamento adequado.

Estamos falando de um contingente enorme de pacientes que precisam iniciar tratamentos o quanto antes. Afinal, muitas dessas doenças têm piora progressiva de funções básicas do corpo, algumas são irreversíveis e podem levar à morte precocemente. No caso do Parkinson de início jovem, por exemplo, a demora no diagnóstico chega, em média, a quatro anos. Isso porque muitos profissionais de saúde desconhecem a Doença de Parkinson Precoce.

A cientista Danielle Lanzer, idealizadora do projeto Vibrar Parkinson, tem a doença desde os 30 anos, mas só recebeu o diagnóstico aos 36. Muita gente não sabe, mas a doença também acomete jovens e os sintomas variam bastante. Ao contrário do que a maioria pensa, o tremor não é o único sintoma da Doença de Parkinson e nem sempre está presente entre todos os pacientes. A lentidão de movimentos (bradicinesia) é o que prevalece em todos os casos.

Parkinson é uma doença neurológica, crônica e progressiva, sem causa conhecida, que atinge o sistema nervoso central. E juntamente com o tremor, sintomas como a lentidão de movimentos e a rigidez dos músculos são muito evidentes. Podem ocorrer também alterações na marcha, postura, grafia, fala e deglutição. Mas há outros sintomas não motores, como depressão, insônia e ansiedade que podem afetar até mais a qualidade de vida de quem sofre da doença. Por isso a importância de ter profissionais bem preparados para não só diagnosticar, mas orientar os pacientes para que vivam da melhor forma possível.

O diagnóstico de uma doença rara não pode subtrair possibilidades de se viver bem. Não tem que ser sentença de uma vida infeliz. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que aproximadamente 1% da população mundial com idade superior a 65 anos tem doença de Parkinson. No Brasil, a estimativa é de aproximadamente 200 mil pessoas afetadas pela doença, dado que vem sendo divulgado há mais de dez anos e que precisa urgentemente ser atualizado. Por não ser um dado estatístico oficial e atual, não há também um recorte da ocorrência da doença por faixa etária – sabe-se que aproximadamente 10% das pessoas com doença de Parkinson relatam sinais antes dos 40 anos de idade.

A falta de informação, além de atrasar o início de um tratamento adequado, causando sérios prejuízos à saúde das pessoas, impede a atualização de dados sobre a prevalência da doença, estudos de novas drogas e a aplicação correta de recursos públicos na saúde, como a dispensação de medicamentos à população acometida pela doença.

Nos Estados Unidos, por exemplo, onde existem dados por faixa etária, sabe-se que a doença de Parkinson afeta até 2% da população com mais de 70 anos, se tornando rara conforme a idade diminui. Dos 40 aos 50 anos, a doença está presente em 0,05% da população e, abaixo dos 40 anos, em apenas 0,005%.

É o caso do ator Michael J. Fox, que todo mundo conhece do memorável filme De vota para o futuro, de 1985. Ele foi diagnosticado com apenas 29 anos, passou por crises de aceitação da doença, teve problemas com alcoolismo, mas decidiu usar sua imagem para lutar por outros pacientes na “The Michael J. Fox Foundation for Parkinson’s Research”, organização cujo objetivo é encontrar a cura da patologia. Em quase duas décadas, sua ONG já investiu cerca de 660 milhões de euros na investigação da cura.

De acordo com o Projeto Vibrar Parkinson, para mudar a realidade dos pacientes no Brasil, além da capacitação dos profissionais da saúde, há uma serie de outras demandas que precisam ser urgentemente atendidas pelo Poder Público:

  • Incluir novas medicações no protocolo clínico e diretrizes terapêuticas do Ministério da Saúde para tratamento da doença de Parkinson;
  • Isentar o Imposto de Renda para portadores de doenças graves, tratamento dos portadores de doenças graves, sem a obrigatoriedade de estar aposentado;
  • Conscientizar sobre a doença de Parkinson conforme PLS 100/2018, que institui abril como o mês da consciência da Doença de Parkinson (aguardando quórum na CE do Senado);
  • Incluir na Lei de Acessibilidade o atendimento prioritário ao transiente com restrição de mobilidade;
  • Ampliar programas de tratamento multidisciplinar para Parkinson;
  • Criar e manter programas de incentivo a pesquisas relacionadas ao Parkinson, com a criação de um Instituto Nacional de pesquisa;
  • Isenção de impostos na aquisição de equipamentos de acessibilidade nacionais ou importados;
  • Liberação do saldo do FGTS para portadores de doenças graves;
  • Aprovação do PL 3310/2000 que prevê a inclusão de outras doenças para saque do FGTS;
  • Inclusão de doenças relacionadas na portaria interministerial MPSS MS 2998 na PLS188/2017, que propõe isenção de reavaliação pericial do INSS.

Quem sofre de Parkinson, ou qualquer outra doença rara ou degenerativa, enfrenta todos os dias preconceito, descaso e muitos constrangimentos pela falta de informação da sociedade. Essa é uma realidade que queremos mudar transformando o raro em familiar. E o familiar em diagnóstico, tratamento, políticas públicas e, acima de tudo, possibilidades.

 

 

Mara Gabrilli, é deputada federal e presidente da Frente Parlamentar Mista de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras. Publicitária e psicóloga, também foi vereadora na Câmara Municipal e Secretária da Pessoa com Deficiência da Prefeitura de São Paulo.

Fonte: Muitos somos raros

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