Resumo
Os distúrbios do movimento psicogênico constituem um desafio diagnóstico e terapêutico. Dentre eles, o tremor é o mais frequente. Não há critérios clínicos definidos para o diagnóstico, mas pistas encontradas na anamnese e no exame físico podem nos guiar. Apesar das controvérsias na conduta terapêutica, é consenso que a avaliação psiquiátrica é importante no apoio ao paciente e para a orientação medicamentosa.
INTRODUÇÃO
O termo ‘psicogênico’ deriva do grego e significa “criado pela alma”.
De fato, nos distúrbios de natureza psicogênica, não se encontra nenhuma lesão estrutural ou alteração neuroquímica conhecida. Portanto, trata-se de um desafio tanto diagnóstico quanto terapêutico. Sua frequência é de 2 a 3% em clínicas não especializadas, podendo chegar a 25% nas especializadas.
A média de idade dos pacientes varia de 37 a 50 anos, sendo que o mais jovem já descrito apresentava-se com 4 anos. É importante ressaltar que a presença de doença de natureza psicogênica em crianças deve sempre levantar a hipótese de abuso físico ou sexual como fator desencadeante.
Acomete, geralmente, o sexo feminino (61 a 87%), porém, acredita-se que esta afirmativa subestime a sua ocorrência no sexo masculino, pois há certa resistência em se fazer esse diagnóstico na população masculina.
De regra, trata-se de doença única, porém em 10 a 15% dos pacientes está associada à doença orgânica (doença orgânico-funcional).
Vários são os distúrbios do movimento psicogênico, sendo o mais comum o tremor (55%), seguido da distonia (39%), da mioclonia (13%), do tique (6%), dos distúrbios da marcha (3%) e, mais raramente, do parkinsonismo (2%)
O diagnóstico de certeza dos distúrbios do movimento psicogênicos constitui, realmente, um desafio.
A abordagem se faz em duas etapas. A primeira é pela procura de fortes evidências da origem psicogênica. A segunda é da elaboração do diagnóstico da doença psiquiátrica.
Não há critérios clínicos rígidos para o diagnóstico definitivo na literatura consultada, porém devemos nos guiar através de pistas na anamnese e no exame físico.
No que se refere à anamnese, as pistas favoráveis para o diagnóstico são as seguintes:
1 – Início agudo. Raramente observado nos movimentos involuntários orgânicos, associados à doença cerebrovascular ou a trauma;
2 – Progressão rápida e grave. Geralmente, o movimento atinge seu pico máximo de gravidade em horas, contrariamente, aos distúrbios orgânicos que costumam levar meses ou anos;
3 – Processo estável. Ao atingir o seu grau máximo, o movimento não apresenta variações durante meses ou anos;
4 – Manifestações paroxísticas. O distúrbio do movimento pode desaparecer por completo, reaparecendo dias ou meses após com as mesmas características. É necessário lembrar que existem doenças orgânicas paroxísticas, tais como, as discinesias paroxísticas cinesiogênicas e não cinesiogênicas;
5 – Remissão espontânea. Movimentos involuntários orgânicos raramente têm remissão espontânea, exceção feita ao hemibalismo;
6 – Comorbidades psiquiátricas. É comum história anterior de tratamento para depressão e ansiedade;
7 – Ganho secundário. Seja afetivo nos pacientes funcionais, seja financeiro nos simuladores;
8 – Fatores de risco para doença conversiva. Sintomas de depressão, história anterior de abuso físico ou sexual devem ser sempre investigados;
9 – Evento psicológico desencadeante. Vários fatores podem contribuir para o surgimento do distúrbio psicogênico, destacando-se morte na família, separação do cônjuge ou perda do emprego;
10 – Somatizações múltiplas. Antecedentes de paralisia funcional, pseudocrise epiléptica ou somatizações;
11 – Trabalhador em saúde, em que pese não ser fator de risco, por ter conhecimento prévio ou convivência com sintomas orgânicos, torna o diagnóstico mais difícil.
No que se refere ao exame físico, devemos destacar as seguintes pistas, embora se relacione mais com os tremores, o mais frequente dos distúrbios psicogênicos:
1 – Inconsistência
a) Variação na frequência, na amplitude, na distribuição e na direção do movimento. A frequência do tremor orgânico não sofre grandes variações com o tempo nem com a mudança de posição do segmento afetado. A frequência e a amplitude do tremor psicogênico aumentam quando se coloca um peso no referido segmento. Geralmente, o tremor orgânico acomete um ou mais segmentos de maneira evolutiva, enquanto que o psicogênico salta de segmento para segmento, sem acumulação. Variações na direção do tremor (por exemplo, supinação/pronação, extensão/flexão) não costumam ocorrer no tremor orgânico, contrariamente ao psicogênico;
b) Distratibilidade. Quando o paciente executa uma ação motora com o segmento não afetado (abrir e fechar a mão, por exemplo), costuma ocorrer exacerbação do movimento anormal nos orgânicos, enquanto diminuiu ou desaparece no psicogênico;
c) Dificuldade seletiva. O paciente psicogênico pode apresentar, por exemplo, incapacidade para escrever o seu nome; no entanto, é capaz de desenhar a espiral de Arquimedes. Devemos lembrar, porém, que distonia e tremor tarefa-específica são doenças orgânicas (câimbra do escrivão, distonia labial do trompetista);
d) Sincronização. Curiosa manobra consiste em pedir ao paciente que faça com o segmento não acometido movimentos repetitivos de frequência diferente daquela apresentada no acometido. Nos funcionais, haverá sincronização entre os dois segmentos, demonstrando a sua natureza psicogênica.
2 – Incongruência
a) Discinesias múltiplas. A presença de mais de um tipo de movimento anormal, geralmente bizarro, sugere origem psicogênica. No entanto, há exceções, tais como, a distonia mioclônica, a doença de Huntington (coreia e tremor) e a síndrome de Gilles de La Tourette (tiques e distonia).
b) Paroxismos precipitados por sugestão.
3 – Sugestionabilidade.
O desaparecimento do movimento anormal após sugestão ou após placebo configura a sua natureza psicogênica.
4 – Lentidão deliberada.
Pacientes que, quando comandados a realizar algumas tarefas, as fazem de modo muito lento, sem qualquer relação com o movimento anormal.
5 – Startle excessivo ou atrasado.
Resposta exagerada ou retardada após estímulo sonoro.
6 – Paralisia funcional.
Paresias ou paralisias funcionais e inconsistentes podem acompanhar os distúrbios psicogênicos.
7 – Anestesia sem correspondência anatômica.
Há, ainda, durante o exame físico, elementos ou detalhes que sugerem a psicogenicidade, ou seja:
I – tremores que não se modificam com a mudança de posição do segmento afetado, ou seja, mantêm-se os mesmos em repouso, em determinada postura ou durante a ação motora;
II – tremores que não acometem os dedos. Raramente, os tremores parkinsonianos ou essenciais deixam de comprometer os dedos das mãos;
III – distonia com postura fixa, principalmente, após traumatismo ou tratamento cirúrgico;
IV – estasobasofobia, também conhecida como marcha trepidante, na qual o paciente demonstra medo de ficar em pé e de andar. Quando esboça alguns passos, o faz bizarramente, inseguro e desequilibrado, evidenciando trepidações nos membros inferiores e no tronco.
Os exames complementares devem ser solicitados quando existirem fortes suspeitas de doença orgânica subjacente, tais como metabólicas (hiper ou hipotireoidismo, hiper ou hipoglicemia, uremia), hereditárias (doença de Wilson, doença de Huntington).
Podem ser utilizados exames rotineiros de sangue, exames de imagem (Tomografia Computadorizada, Ressonância Magnética, Tomografia por Emissão de Pósitron Único, Tomografia por Emissão de Pósitron), eletroencefalograma, Eletroneuromiografia e acelerômetro. O SPECT é importante método para o diagnóstico diferencial entre a doença de Parkinson e o parkinsonismo psicogênico, porém de alto custo. O eletroencefalograma é procedimento útil em pacientes com mioclonia de origem cortical. A Eletroneuromiografia registra a presença de contração simultânea de músculos agonistas e antagonistas em pacientes com distonia ou com mioclonia orgânicas. O acelerômetro avalia a variação da frequência e da amplitude dos tremores. Em pacientes com tremor psicogênico, ao se colocar um peso no membro afetado, observa-se o aumento tanto da frequência quanto da amplitude da discinesia2.
Se, após a avaliação da anamnese, do exame físico e dos exames complementares, as pistas reforçarem a possibilidade de origem psicogênica dos distúrbios, devemos encaminhar, então, o paciente para avaliação psiquiátrica.
Concluímos que o diagnóstico dos distúrbios do movimento de natureza psicogênica não é de exclusão, e sim o resultado da análise dos elementos da anamnese e do exame físico.
Existem algumas controvérsias no que se refere ao tratamento. A primeira é quanto à internação do paciente. Fahn é a favor dessa medida como técnica de demonstrar ao paciente que você acredita nele, que há doença e que necessita de ajuda.
Outros autores discordam, por acreditarem que a internação alimenta a doença psiquiátrica, dificultando ainda mais o tratamento. Como, geralmente, esses pacientes apresentam alterações do humor, drogas antidepressivos e/ou ansiolíticas costumam ser úteis. A psicoterapia, também, é instrumento importante. Ressalte-se que o médico deve estar sempre atento a não praticar iatrogênicas, como, por exemplo, solicitar exames complementares desnecessários ou ignorar as suas queixas1, 2,3.
Em que pese todo o cuidado, 60 a 90% dos pacientes não costumam melhorar, principalmente, naqueles crônicos, com história de muitos anos ou com múltiplas síndromes conversivas. O prognóstico é bem melhor quando, mais precocemente, se inicia a terapêutica.
“Um em seis pacientes que vão á um neurologista tem uma doença psicogénica”. São tão doentes quanto alguém com doença orgânica, mas com uma causa diferente, e necessidades diferentes de tratamento.
Compreender estas desordens, diagnosticá-las e encontrar o tratamento adequado é muito importante.
“Comentario basico: eu (Nilde) tenho esperansa que estes estudos e pesquisa resultem em ajudar doutores e pacientes a compreender o mecanismo que conduz a esta desordem, assim teremos melhores tratamentos.”
By: UERJ
Por: Ana Lucia Z. Rosso
Denise H. Nicaretta
James Pitágoras de Mattos