Sim, não há dúvidas as mulheres são todas loucas. Acontece que, para se tornar louca, é necessária uma longuíssima formação. Iniciamos na loucura assim que saímos do ventre de nossas mães, já graduadas em loucura aplicada. Primeiro, pode ser que furem nossas orelhas para parecermos mais femininas, também podem colocar laços e tiaras enfeitadas, já acostumando à dor as nossas pequenas cabecinhas de bonecas.
Conforme vamos crescendo, não podemos mais nos sujar e não podemos falar palavrões. Se tivermos sorte de ter um pouco de condições financeiras, ganhamos nossos bebês plásticos que choram, eletrodomésticos cor-de-rosa e uma série de afazeres domésticos leves, que nos preparam, sutilmente, para podermos servir de algo.
Mais adiante, as pequenas loucas podem ser obrigadas a esconder seus seios, sua menstruação, ficar longe dos seus próprios parentes homens, não usar roupas curtas, fechar as pernas e, dependendo do país onde a louquinha viva, pode ter seu clitóris mutilado e talvez seja obrigada a casar-se ainda na infância.
Se, com sorte de sua cultura indígena, a jovem louca chegar na adolescência, vai aprender a ser rejeitada, insultada e criticada toda vez que beber ou não beber álcool, se beijar ou não beijar alguém, se denunciar ou se ficar calada a todo tipo de assédio e bullying. Esses são apenas seus anos mais doces e fáceis no duro treinamento da loucura. Isso é claro, se essa louca não for preta, não for gorda, não for miserável e não for tão feia, porque essas, pode ter certeza, têm um nível superior de loucura graças a suas experiências de dor e preconceito.
E se essa louca insiste em sobreviver e chegar à idade adulta? Bom, é nessa hora que ela vai descobrir que seus pelos, suas rugas e seus cabelos não são algo natural, são uma afronta à sociedade.
É nessa hora que ela vai descobrir que seus anos a mais de estudo não garantem que ela ganhe mais do que os homens no mesmo cargo. A louca adulta, se não for mãe vai ser questionada, se ela for mãe será pressionada para uma segunda gravidez. Se ela for solteira, terá seu selo de louca estampado na testa. Todos os meses que ela precisar se impor e ter pulso firme, ela estará naqueles dias ou foi malcomida, nunca se sabe qual dos dois. Se estiver casada, será louca ao reclamar do marido que “ajuda” com os filhos, que “ajuda” com a casa. Se a louca dividir a vida com um homem e os dois tiverem grana, ela sempre será a louca perigosa com o cartão de crédito em mãos ao comprar um vestido para agradar ao seu marido, que compra carrinhos e coleções de bonequinhos e jamais será questionado. A louca infiel é uma vagabunda ordinária. E se essa louca casar e um dia quiser ser livre em sua loucura, pode ser julgada pela família, pode apanhar do esposo, pode pedir socorro à polícia e pode ser só mais uma louca morta por um homem apaixonado.
Mas, sempre tem aquela louca de sorte, que conseguiu estudar, que tem seu trabalho e um cara decente a quem ela conseguiu explicar que precisa descer o lixo, lavar a roupa e economizar para o futuro. Ah, essa louca que ensinou um pouco de responsabilidade para seu companheiro criança grande, que mais essa louca poderia querer da vida? Um dia, essa pode ser a louca ciumenta, a louca que tem “toc”, a louca workaholic. E no futuro, essa louca pode achar um homem mais velho, já ensinado por outras loucas anteriores a ela, esse é o tipo louca interesseira, que fica com homens estabilizados. As mais loucas, aquelas que não aceitam qualquer imbecil em casa e se dedicam a cuidar dos filhos de forma independente. Insanas, rebeldes incorrigíveis as que ousam se amar, se aceitar como são. Estão sempre dizendo às loucas que a sororidade só pode ser falsidade e um casal lésbico é apenas uma fantasia para homens se divertirem. Depois, tem o caso da louca que não morreu e conseguiu cuidar dos seus filhos sozinha e ter um pouco de liberdade ao final da vida e fica com um cara mais jovem, ah essa é o pior tipo, aquela louca que perdeu a noção de tudo.
Depois de passar uma vida toda sendo enlouquecida, dia após dia, sendo medida pelo seu peso, pelo seu cabelo, pela sua pele, pela sua sexualidade, pela limpeza da sua casa, pela organização do seu armário, pelo tamanho do seu salto, pelo tom da sua voz e pela sua capacidade de ficar calada para agradar ao sistema da loucura, a mulher morre e é observada em seu caixão, um pouco amarela, um pouco roxa, podendo terem vestido ela melhor no seu look final.
Usei esta foto para chamar atenção para o texto e porque, certamente, sou louca 🤪 🤪 🤪
Aroa Khalil Suleiman By:Koka Beiber