Desordens de movimento raramente podem ser devidas a distúrbios psiquiátricos. A distonia psicogênica caracteriza-se pela inconsistência dos achados, presença de fatores precipitantes, manifestarem-se inicialmente nos membros inferiores, associar-se a dor, a outros movimentos anormais incaracterísticos e a sumarizações múltiplas. Descrevemos duas pacientes com diagnóstico de distonia psicogênica clinicamente estabelecida.
Arquivo Neuropsiquiatra sobre o estudo
Distonia é um distúrbio de movimento caracterizado por contrações musculares relativamente lentas, sustentadas, causando espasmos, movimentos repetitivos e posturas anormais, que podem acometer tanto a musculatura apendicular quanto a axial, de forma focal, segmentar ou generalizada.
A distonia se apresenta como contrações de músculos agonistas e antagonistas. Em relação à etiologia, as distonias primárias predominam, e nelas nenhuma alteração estrutural ou bioquímica pode ser encontrada, seja em vida ou em exame post mortem, apesar de haver um padrão hereditário em muitos casos. Cerca de 25% são secundárias a diversas patologias do sistema nervoso central, como doença de Wilson, doença de Hallervorden-Spatz, acidentes vasculares cerebrais, intoxicações por manganês, drogas, etc.
Distúrbios de movimento raramente podem ser atribuídos a desordens psiquiátricas. Verificou-se que 3,3% dos pacientes com distúrbios de movimento tinham causa psicogênica documentada ou clinicamente estabelecida. A prevalência varia de 1% a 2,9%. Existem diversos critérios que permitem caracterizar distúrbios de movimento como psicogênicos, mas tal diagnóstico é mais difícil em relação à distonia. Pacientes com distonia de torção idiopática são diagnosticados freqüentemente como tendo um distúrbio primariamente psicogênico, provavelmente devido à natureza bizarra das posturas e dos movimentos, à melhora não usual através de gestos antagônicos (“truques sensoriais”), ao comprometimento de determinadas ações, com a capacidade de realizar outras com o membro afetado, e a ocasional remissão espontânea dos sintomas, especialmente em casos de torcicolo espasmódico. Por outro lado, existem critérios, os mais usados propostos por Fahn e Willians, em 1988, que permitem o diagnóstico de distonia psicogênica. Estes critérios se baseiam na inconsistência dos achados clínicos, na apresentação de um fator precipitante, na manifestação inicial nos membros inferiores, na associação a dor e a outros movimentos anormais incaracterísticos, a somatização múltipla, e a patologias psiquiátricas. Deve ser sempre um diagnóstico de exclusão.
Descrevemos duas pacientes que preenchem os critérios para o diagnóstico de distonia psicogênica clinicamente estabelecida.
MÉTODO
As pacientes, do sexo feminino, foram internadas na enfermaria do Serviço de Neurologia do Hospital SARAH. A avaliação psicológica consistiu de entrevista estruturada, aplicação do Inventário de Beck para depressão e do MMPI (Inventário Multifásico de Personalidade de Minesota).
🔸 A paciente 2, foi realizada avaliação cognitiva, utilizando-se o Teste de Raven para Adultos e a Escala Columbia de Maturidade Mental.
✔ As causas secundárias de distonia foram excluídas pela realização dos seguintes exames laboratoriais: hemograma, VHS, pesquisa de acantócitos no sangue periférico, dosagem de hexosaminidase, b-galactosidase e arilsulfatase A, glicemia, creatinina, TGO, TGP, fosfatase alcalina, ionograma, coagulograma, ceruloplasmina, eletroforese de proteínas séricas, VDRL, ELISA anti-HIV, pesquisa de fator reumatóide, FAN, alfafetoproteína, exame de bioquímica e do sedimento urinário, excreção de cobre na urina de 24 horas. Realizou-se punção lombar com análise do líquido cefalorraquidiano (LCR): proteínas, glicose, citometria, citomorfogia, eletroforese de proteínas, pesquisa de bandas oligoclonais, imunoglobulinas e índice de síntese intratecal de imunoglobulinas, VDRL. Foram feitos também potenciais evocados motor, somatossensitivo, auditivo e visual, eletroencefalograma (EEG), eletromiografia e estudo da condução nervosa, radiografia de tórax e de coluna vertebral, tomografia computadorizada (TC) de crânio, e ressonância magnética (RM) 1,5 tesla de encéfalo e medula. As pacientes também foram submetidas ao exame oftalmológico com lâmpada de fenda para pesquisar anel de Kayser-Fleischer.O diagnóstico de distonia psicogênica foi baseado na negatividade dos exames complementares relatados e na incongruência e inconsistência dos achados clínicos, com o suporte da avaliação psicológica, de acordo com os critérios de Fahn e Willians.
Observações Clínicas
🔹 Paciente 1. Trata-se de paciente feminina de 39 anos, solteira, com curso superior completo, digitadora, com antecedentes, a cinco anos, de dor na região cervical, de forte intensidade, com irradiação para os membros superiores e parestesias nas mãos, sem resposta favorável ao tratamento farmacológico e pela medicina física. O exame neurológico e os diversos exames complementares não mostraram alterações. Há 10 meses apresentou episódio súbito de perda da força nos quatro membros, que fora precedido por cefaléia occipital, calafrios e tremores. A paciente ficou restrita ao leito e evoluiu com distonia em ambos os pés, sendo então internada. Teve-se a impressão diagnóstica de esclerose múltipla, tendo sido submetida à corticoterapia por 48 horas, sem sucesso. A propedêutica não confirmou o diagnóstico e a paciente continuou piorando, sendo, então, transferida para o nosso serviço. O exame neurológico na admissão revelou distonia em ambos os pés, caracterizada por postura fixa em hiperinversão e hiperflexão plantar, e hiperflexão dos dedos, sobretudo dos háluxes (Figs 1 e 2), laterocolo alternante associado a tremor cuja freqüência e intensidade diminuíam (e até desaparecia) com a distração e aumentava quando observada e tetraparesia inconsistente, com uma “hipotonia” dos membros superiores e uma “hipertonia” dos membros inferiores, que podia ser caracterizada por resistência significativa a movimentos passivos, que dava a impressão de contração muscular ativa, ou voluntária. Ela não era capaz de contrair os mesmos músculos ao comando, mas contraía os antagonistas. Com a distração, a paciente relaxava a musculatura, e assim conseguia-se a mobilização passiva do membro “hipertônico”. A paciente apresentava lentidão extrema para realizar movimentos voluntários e diversas manobras, como, por exemplo, o “teste dedo/nariz”, incompletos. Entretanto, se mostrava capaz de realizar outras tarefas, como, por exemplo, escrever e se alimentar, evidenciando o controle seletivo de determinados movimentos de acordo com a vontade ou os seus interesses. Apesar de não ter sido documentado, observou-se movimentação ativa dos membros distônicos, quando distraída. Referia-se a episódios de dor incaracterística e a alterações sensitivas sem a correspondência anatômica. O restante do exame neurológico, bem como os exames complementares realizados, não se revelou alterados.
Tentou-se o tratamento com anticolinérgicos, levodopa, amitriptilina, clonazepam e baclofeno, sem resposta favorável. Apresentou episódio de retenção urinária, que reverteu após a suspensão dos anticolinérgicos. Começou a apresentar melhora parcial com fisioterapia, permanecendo com os pés em posição fisiológica durante as sessões
A avaliação psicológica através de testes revelou no Inventário Beck escore revelou 31 sugestões de uma depressão grave, e escalas clínicas de histeria e hipocondria do MMPI com t escore 70. Dados obtidos na entrevista indicaram sintomas positivos de ideação obsessiva e de personalidade histriônica. A paciente tem história de abuso sexual e significativa privação afetiva durante a infância. Durante esse período de sua vida até o início da adolescência, apresentava episódios recorrentes de hospitalização devido a supostas “fraturas ósseas” (aproximadamente 40) e a fraqueza em membros inferiores, tendo sido submetida a sucessivos tratamentos com imobilização. Aspectos relacionados a habilidades interpessoais estavam muito comprometidos, assim como sua auto-estima, utilizando-se de comportamento com padrão sedutor e tinha demanda de atenção constante dos profissionais de saúde, acarretando ganhos secundários. Demonstrou resistência em aderir a propostas de desmedicalização e desospitalização. Melhorou com a introdução de fluoxetina, com a manutenção da fisioterapia e com psicoterapia. Na avaliação 3 meses depois se revelou sem laterocolo cervical, com normalização do tônus nos membros inferiores, com melhora na postura distônica dos pés, e já era capaz de andar, ainda que com apoio.
🔸 Paciente 2: Trata-se de paciente feminina de 24 anos, solteira, que estudou até a 5ª série do primeiro grau. Aos 15 anos de idade começou a apresentar tremor nos membros inferiores, associado à postura distônica de hiperinversão do pé esquerdo, de início súbito. Progressivamente, evoluiu com dificuldade de marcha, necessitando a princípio de apoio para andar, e posteriormente, ficando restrita ao leito. Relatava alteração sensitiva, com diminuição da sensibilidade tátil até a região da virilha. Em questão de meses, o membro inferior esquerdo adotou a postura de flexão sustentada da perna e abdução da coxa. Começou a apresentar dor lombar e no membro inferior esquerdo, que se intensificava ao mínimo toque e às tentativas de manipulação deste membro. Aos 18 anos fora submetida à TC de coluna lombo sacra, recebendo o diagnóstico de “hérnia de disco”, sendo indicada microdiscectomia. Após a intervenção, houve reversão completa dos sintomas, as dores cessaram, o membro inferior e o pé esquerdo voltaram a ter posturas e mobilidades fisiológicas e a paciente era capaz de andar normalmente. Entretanto os sintomas recorreram horas depois, após a paciente dar uma cambalhota, ficando novamente incapaz de andar, e queixando-se de dores intensas nos membros inferiores. Houve retorno da posição fixa, distônica no pé e de flexão da perna e coxa à esquerda, e de dores lombares e nos membros inferiores, chegando a usar oleáceos (uso por cerca de quatro anos, desenvolvendo dependência). A paciente ficou dependente dos familiares para a alimentação, para vestir-se, e para a higiene pessoal.
O exame neurológico à admissão revelou postura distônica fixa do pé esquerdo, associada à flexão da perna e a abdução com flexão da coxa ipsilateral (Fig. 3). A paciente apresentava tremor irregular nos membros superiores com freqüência variáveis, ora desencadeados por posturas sustentadas, ora pela ação, desaparecendo com a distração. Não era incapacitante, e nem constante. O tremor desapareceu espontaneamente durante a internação. A colocação de uma tala inguinopodálica no membro inferior esquerdo reverteu completamente à postura anormal. Tinha mobilidade no pé, conseguindo mexer os dedos e o pé, além de realizar a inversão e a eversão. Com a retirada da tala, havia o retorno do membro a sua posição viciosa. A paciente referia alívio da dor com a colocação da tala, e durante a internação não chegou a fazer uso de opiáceos. Queixava-se de dor forte esporádica no membro afetado, sobretudo quando frustrada ou irritada, mas raramente necessitou usar analgésicos. Apresentou alguns episódios de quedas, mas testemunhas afirmavam que a paciente se projetava ao solo; nenhuma dessas quedas resultou em traumatismo.
A propedêutica não mostrou alterações, exceto por sinais de manipulação cirúrgica em L5-S1 na ressonância magnética. Fez também estudo urodinâmico, que resultou normal.
O tratamento farmacológico mostrou-se ineficaz; fez uso de baclofeno, clonazepan, anticolinérgicos, antidepressivos e levodopa. Entretanto, apresentou melhora significativa com a fisioterapia: retornou a andar com apoio, e com retorno a posição e a motilidade fisiológica do membro inferior esquerdo, mesmo sem a tala. Essa melhora, porém, fora restrita ao período das sessões.
As informações obtidas em entrevista realizada com a paciente e familiar evidenciaram sintomas sugestivos de hiperatividade e déficit de atenção durante a infância, com história de dificuldade para a aprendizagem. Há relatos de agressão e hostilidade por parte da família. A observação da paciente durante a internação revelou comportamentos regredidos e infantilizados, caracterizado por egocentricidade, dificuldade de formação de conceitos e de abstrair-se, baixa tolerância a frustração, impulsividade, incapacidade de adaptação a situações novas, com generalizações inadequadas, baixa tolerância a frustração, e auto-agressão, semelhantes ao relato sobre o padrão de comportamento mantido em hospitalizações anteriores.
A paciente não apresentava escolaridade ou capacidade de leitura e compreensão para ser submetida à avaliação com MMPI. Optou-se pelo uso da Escala de Maturidade Mental Columbia, com resultado de 66 pontos e raciocínio perseverante, o que sugere o desempenho intelectual significativamente abaixo da média para sua idade (correspondência à idade mental de 7 anos). As auto-lesões (quedas) indiretamente provocadas, a não cooperação e a não adesão aos tratamentos instituídos, parecem indicar a necessidade de manter-se no papel de doente, relacionado aos importantes atenção que ela obtêm nestas situações. Não foram encontrados sintomas positivos para as alterações de humor e de personalidade que fossem significativas. A paciente recebeu alta sem melhora significativa do quadro.
DISCUSSÃO
Distonia e tremor constituem as duas manifestações mais comuns de distúrbios do movimento de origem psicogênica, referindo Willians e col. a 54% e Factor e col. a 18% de distonia em suas séries. A distonia psicogênica é mais comum em mulheres numa proporção de 20,2% a idade de início variável, de 8 a 58 anos. Em geral, as formas paroxísticas tendem a se manifestar mais tardiamente. Também tende a se manifestar mais tardiamente nos homens. A duração média dos sintomas à primeira avaliação é 3,8 ± 6,9 anos (2 meses a 30 anos).
A Distonia psicogênica é de difícil diagnostico, considerando a inexistência de exame complementar que confirme o diagnóstico de distonia idiopática orgânica. Além disso, doenças que afetam o sistema extrapiramidal, como a doença de Wilson, podem ter manifestações atípicas de distonia, o que exige a realização de exames complementares para excluir estas patologias. Por outro lado, a negatividade dos estudos fundamenta o diagnóstico psicogênico, e alguns exames, como a vídeo-monitorização contínua e técnicas eletrofisiológicas (análise acelerométrica, inibição recíproca do reflexo H por estimulação elétrica), podem ser úteis como testes diagnósticos, ocasionalmente documentando a resolução da distonia. Entretanto, o diagnóstico inequívoco de distonia psicogênica requer que haja inconsistência no distúrbio do movimento no tempo me que o movimento anormal ou postura seja incongruente com a distonia vista em síndromes orgânicas. O diagnóstico é difícil, mas algumas características permitem diferenciar uma condição da outra. Assim, nas psicogênicas é mais freqüente o início dos sintomas em um paciente adulto nos membros inferiores com distonia de repouso, sendo os espasmos fixos, com progressão rápida e evoluindo com incapacidade máxima precoce. A distonia pode desaparecer com a distração ou por sugestão, e pode ser desencadeada ou intensificada pela observação a uma determinada parte do corpo. Entretanto, esta característica pode estar ausente em distonia psicogênica, sendo mais importante no caso de tremor.
Os movimentos distônicos são inconsistentes no tempo, sem a presença de gestos antagônicos”, com incapacidades seletivas incompatíveis com a natureza dos espasmos. É comum a impossibilidade de se realizar uma tarefa com o membro afetado ao comando, sendo capaz de fazê-lo em outras ocasiões. Por outro lado, certas habilidades podem ser inconsistentes com a natureza da distonia, como a paciente 1 que tinha capacidade de escrever ou de fazer sozinha a higiene pessoal, o que deveria ser impossível ante a natureza da postura distônica evidenciada ao exame. Comumente demonstram lentidão na realização de tarefas, por exemplo, na realização da manobra índex-nariz, o movimento se dá de forma lenta, imprecisa ou incompleta. Há resistência a movimentos passivos, dando a impressão de contração muscular voluntária. São incapazes de ativar os mesmos músculos ao comando, mas contraem os antagonistas. Além disto, são comuns outros sintomas e sinais neurológicos psicogênicos, relatados em 75% dos pacientes com distúrbios do movimento psicogênico, como paralisia ou fraqueza, alterações sensoriais sem correspondência anatômica, e associação com outros distúrbios de movimento, como, no caso de nossas pacientes, de tremor, que sofria muita influência da distração, e da fadiga.
Fatores predisponentes são comuns, mas nem sempre são claros ou evidentes, como em nossas pacientes. Outras características importantes são a remissão espontânea ou com tratamentos farmacológicos não habituais para distonia e ausência de histórico familiar.
Os critérios enumerados permitem diferenciação em relação às síndromes orgânicas, sobretudo em relação à distonia de torção idiopática: nessa, o envolvimento dos membros inferiores na idade adulta é raro, e o início freqüentemente é com distonia de ação, os espasmos são móveis e a progressão é lenta, as posturas são consistentes no tempo, e há “gestos antagônicos”. Os pacientes podem apresentar habilidades surpreendentemente preservadas, a despeito das posturas e dos movimentos, mas os movimentos voluntários resultam em novas contrações de músculos agonistas e antagonistas com mudanças variáveis na postura distônica. As distonias idiopáticas também podem estar presentes em atividades específicas, como na cãibra do escrivão, ou podem desaparecer durante a ação, como certas distonias paroxísticas. As distonias podem estar associadas a outros distúrbios do movimento, como tremores e mioclonias, os fatores precipitantes são incomuns e o histórico familiar freqüente. Raramente é acompanhada de dor ou há remissão espontânea (entretanto, ambos os sintomas podem ocorrer na distonia cervical).
Assim, ambas preenchem critérios para distonia psicogênica clinicamente definida, já que apresentavam distúrbios de movimento atípicos para as síndromes orgânicas, exames complementares negativos, associado a múltiplas somatizações, que incluíam alterações sensoriais, dor e fraqueza, e também tinham transtornos psiquiátricos evidentes. Não se conseguiu dar o diagnóstico de distúrbio psicogênico documentado porque não houve resposta permanente a psicoterapia, sugestão (incluindo fisioterapia), ou uso de placebos, apesar de melhora significativa transitória terem sido documentadas. A falta dos movimentos da distonia quando as pacientes achavam que não estavam sendo observado, outro critério importante, também não foi registrado.
A intensidade da distonia não pode ser considerada como um critério diferencial. Os espasmos nestes pacientes podem ser extremos e desfigurastes como evidente em ambas as pacientes. As mesmas se queixavam de dor coisa comuns em nossas pacientes. As dores eram generalizadas, mas tendiam a se localizar nos membros inferiores, e no caso da Paciente 1, também nos membros superiores, ombros e pescoço. Lang refere-se a um padrão semelhante em seus pacientes. Pacientes com distonias podem referir desconforto nos músculos envolvidos, e no torcicolo espasmódico (distonia cervical) esta pode ser a queixa principal Contudo, a freqüência e a gravidade da dor em distonias psicogênicas são atípicas para a maioria das patologias orgânicas, mesmo aquelas com posturas deformantes extremas. Os pacientes freqüentemente têm hipersensibilidade superficial e aumento exagerado da dor com movimentos passivos.
A associação de distrofia simpática reflexa e distonia têm sido relatadas, entretanto a natureza desta condição não está clara. Como na distonia psicogênica, em sua maioria foram desencadeados por traumas periféricos discretos, com os espasmos se desenvolvendo abruptamente e como posturas fixas, propagando rapidamente para membros não acometidos e com má resposta ao tratamento, tanto em relação à dor quanto a distonia. A maioria dos pacientes era do sexo feminino, e, além disto, apresentavam muitas características clínicas incongruentes com distonia orgânica. Essas características atípicas permitem postular que, pelo menos em alguns, tratava-se de quadros psicogênicos.
A presença de múltiplas somatizações e de outros distúrbios psiquiátricos é critério importante para estabelecer como psicogênica uma distúrbio do movimento. Quando um diagnóstico de distonia psicogênica está sendo considerado deve-se tentar fazer o diagnóstico psiquiátrico mais preciso possível.
Em geral, os distúrbios do movimento psicogênicas podem ser classificadas como transtornos somatoformes, fictícios, ou simulação, já que existe uma queixa física sem nenhuma base orgânica aparente. Nos transtornos somatoformes os sintomas não são produzidos conscientemente e estão ligados a fatores psicológicos. Nos transtornos fictícios a produção ou simulação dos sinais e sintomas é intencional com o fim de assumir o papel de doente. Os transtornos fictícios geralmente estão associados à dependência grave, masoquismo ou personalidade anti-social. Na simulação, o indivíduo também produz os sintomas de modo intencional, porém com um objetivo obviamente perceptível quando as circunstâncias ambientais se tornam conhecidas. Não é considerado um transtorno psiquiátrico.
Willians e col. encontraram 75% de transtornos de conversão, 12,5% de transtornos de somatização, 8,3% de transtornos factícios na sua casuística. Entretanto, freqüentemente não é possível distinguir entre um transtorno somatoforme, fictício ou simulação diante de paciente com transtorno de movimento psicogênico, já que a intenção do paciente muitas vezes é difícil de determinar com certeza.
Além dos transtornos somatoformes, fictícios e simulação, outras desordens psiquiátricas podem estar presentes. Depressão é a manifestação mais freqüente em distonia e em outros distúrbios do movimento psicogênicos. Isto consta nos relatos de Lempert e col que encontraram depressão em 38% dos pacientes com distúrbios neurológicos psicogênicos.
Como depressão, ansiedade também tem sido comumente associada a distúrbios do movimento de origem psicogênicos. Como o transtorno de personalidade histriônica foi constatada em 9% dos pacientes com distúrbios neurológicas psicogênicas da série de Lempert e col, mas este diagnóstico não foi feito em séries que abordam especificamente em distúrbios do movimento, como mioclonias, tremor, ou distonia.
Na Paciente 1, estavam presentes sintomas depressivos graves, personalidade histriônica, hipocondria, e sintomas obsessivos, e na Paciente 2 sintomas de hiperatividade, déficit de atenção, impulsividade, e comportamento desafiador. Não se conseguiu um diagnóstico preciso em relação à presença de um transtorno somatoforme ou fictício em nossas pacientes. Entretanto isto não invalida o diagnóstico de distonia psicogênica, pois em muitos casos não se faz um diagnóstico psiquiátrico preciso, a despeito dos fortes indícios de suspeição em relação à psicogênicidade dos sintomas motores.
O prognóstico e a resposta ao tratamento são variáveis. Prejuízos funcionais graves, como contraturas permanentes, podem ocorrer. Nenhuma das nossas pacientes apresentou remissão completa dos sintomas, apenas certa melhora. Um dos fatores que explicariam tal falha terapêutica poderia se relacionar com a duração dos sintomas: a Paciente 1 com 10 meses de evolução, e a Paciente 2 com 9 anos de evolução. Lempert e col relatam que na maioria dos pacientes com distúrbios psicogênicos com duração inferior a duas semanas ocorria remissão, ao contrário dos com mais de seis meses. Fahn e Williams encontraram resultados semelhantes, mas isto indicaria que a longa duração dos sintomas não impediria necessariamente a resposta, mas somente, aqueles quadros com menor duração teriam um melhor prognóstico. Outro fator que influi no prognóstico é o quadro psiquiátrico de base. Distúrbios fictícios, como na Paciente 1, geralmente não melhoram; os sintomas só desaparecem quando o paciente estiver pronto para se livrar deles. Os transtornos somatoformes podem responder a psicoterapia e a outras medidas, entretanto os sintomas podem voltar, mesmo que o paciente tenha consciência da origem emocional do problema.
Pesquisa realizada no Serviço de Neurologia, Rede SARAH de Hospitais do Aparelho Locomotor: Hospital SARAH Brasília-DF, Brasil. Aceite: 6-março-2000. Dr Antonio Pedro Vargas – Serviço de Neurologia, Hospital do Aparelho Locomotor SARAH, SMHS Quadra 301, Conjunto B, Edifício Pioneiras Sociais – 70334-900 Brasília DF – Brasil.
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