Coisas que os médicos deviam saber sobre “doenças invisíveis”

22 de janeiro de 2024

Este “desabafo” é para quem tem ou não distonia, mas,  tem uma doença crônica, de difícil diagnóstico. Em muitos pontos, se não todos, a sua experiência e opinião são muito semelhante às de um doente distônico. Espero conseguir expressar o que sentimos e pensamos quando consultamos um médico menos ou mais competente, menos ou mais compreensivo. As  dicas deixadas aqui para os médicos são o que eu gostaria que alguns dos que já consultei, lessem.
 Frequentemente, quando vou ao médico e obedientemente recito a lista dos sintomas que me atormentam, ele imediatamente responde recordando-me que a minha doença não tem cura. Sim, eu sei, não esqueci desse pormenor e, pasmem, não fui ao médico para que ele me lembre.

Na minha jornada de 6 anos para obter o diagnóstico de uma doença crônica, vi muitos médicos e outros profissionais de saúde, só neurologistas foram uns 6 médicos no mínimo.  Durante o caminho encontrei médicos e enfermeiros desde os “santos” até os que,  pura e simplesmente, são “mauzinhos”.

Existem muitas cartas abertas e artigos com conselhos  dos médicos para os pacientes, por essa internet afora. O objetivo é ajudar os pacientes a maximizar o tempo que passam com o seu médico assegurando assim que nós pacientes nos comuniquem eficazmente. À primeira vista parece uma excelente ideia informar os pacientes sobre como o seu médico os vê, e encorajá-los a apresentar  suas preocupações de uma maneira que o médico “leve a sério”. Infelizmente, contudo, esta “aproximação” com seu  médico é, muitas vezes, o que está errado.

Em vez de tudo estar focado na maneira como os médicos entendem os seus pacientes, é importantíssimo que os médicos saibam ouvir e compreender o doente, apesar da dificuldade que existe sim (ver glossário no DS) em nos comunicar, entender e ser entendido. A experiência de ter uma doença crónica é devastadora e existe 5 questões importantes que eu adoraria que os médicos compreendessem.

  •  Não existe nada de errado em dizer que não sabe a resposta

Num mundo perfeito, o doente consulta o médico e este, de imediato, faz o diagnóstico e  o paciente ouve e compreende na íntegra, sabendo exatamente qual será o tratamento que  vai te ajudar. Pela minha experiência isso não acontece. Já aconteceu eu ver alguns médicos dar um Google, mesmo disfarçando eu vi, listarem meus sintomas no seu celular, pedirem para me gravar andando e falando ou mesmo pedirem que eu  explicasse ‘melhor’ a minha doença.

Isto parece alarmante, o que eu admito é, mas aprendi que os melhores médicos são precisamente os mais rápidos em admitir que não sabem e que se dispõem a pesquisar.

Hoje em dia já vejo as coisas com mais clareza, ou seja, sei que os médicos que afirmam saber tudo sobre a minha doença me levaram, com a sua arrogância, a graves consequências. Aprendi a depositar a minha confiança nos médicos que são honestos acerca das suas limitações e falta de conhecimento.  

  • Eu procuro qualidade de vida, não uma cura

Embora a minha doença não tenha cura, muitos dos sintomas podem ser tratados e, até uma pequena redução dos sintomas, pode mudar a minha vida. No entanto, a menos que “force” os meus médicos a elaborarem um plano de tratamento, raramente me oferecem sugestões e olha que eu pergunto.

Compreendo que não haja um comprimido que me cure, e compreendo quando o médico me diz que não existe um. Apesar disso, gostaria que meu médico focasse na tarefa de melhorar a minha qualidade de vida em vez de me lembrar constantemente que não existe cura, ele bem que poderia fazer com que eu me  sinta mais esperançosa sobre o meu futuro. Deveria ser o médico a liderar esse projeto, não eu.

  • Não  sabe o que eu tenho, mas, estou disposta a contar

Há um ano  atrás, precisei  consultar um médico oftalmologista, porque precisava trocar meus óculos. Durante a consulta, mencionei o fato de ter distonia, até porque no período que fui ao medico eu ainda não tinha controle total dos movimentos involuntários do meu pescoço.

O médico disse-me, de imediato, que eu precisava me “controlar” um pouco, porque senão, não daria não pra ele fazer os exames necessários,  “ai lá foi eu com toda a calma que me é peculiar, e dar uma explanação  básica sobre distonia cervical, terminando por concluir que eu não tinha como controlar meu pescoço.  Tenho  certeza que olhei para o médico como se ele tivesse três cabeças.

Ao fim e ao cabo eu tenho uma doença crônica que faz com que eu não consiga ter  controle do meu  corpo 100%. No entanto, não sei porquê, este médico decidiu que eu não poderia estar assim pois, como assim? Eu não consigo me controlar, eu não preciso ficar ansiosa só porque estou fazendo uma simples  consulta, isso porque, era minha primeira visita ao consultório dele, e ele havia me conhecido  há 3 minutos. Ele simplesmente baseou sua conclusão em ideias que “lhe caíram do céu”. Ou, quem sabe, do seu próprio traseiro.

Este é quase o perfeito exemplo de um médico que não faz a mínima ideia do que eu disse para ele, tá, reconheço,  que não é a área que ele atua, e entendo ele não saber  sobre o que eu estava falando, mas, eu fale e falei e ele simplesmente escutou o que eu disse, mais, não ouviu. Se tivesse ouvido teria entendido, tenho certeza.

Eu ainda fico boquiaberta  com alguns médicos, fico chocada com a  maior parte deles, pois eles sequer sabem ouvir seu paciente. Se este médico em particular tivesse interessado em perguntar, simplesmente, sobre qual o motivo do meu pescoço esta assim e como eu me sentia, nós dois teríamos economizado um tempão.

Pode ser difícil para um médico ver-me  sorrir e rir à sua frente e compreender que estou  sentindo uma dor  infernal e sem fim. Contudo, a realidade de uma doença crônica é que nó distônicos nos adaptamos à fadiga e à dor porque, pura e simplesmente, não temos outra opção, o que é inimaginável para quem nunca viveu uma situação semelhante. Médicos, não cometam o erro de assumir que sabem o que eu sinto –me  perguntem e preste a devida atenção a minha resposta.

  • Ter uma doença crónica pode ser deprimente, mas isso não significa que estamos “apenas deprimidos”

Durante o longo percurso que levou ao meu diagnóstico, alguns médicos recorreram a causas psicológicas para explicar os sintomas que não tinham outra forma de explicar. Um disse-me que eu estava muito gorda, outro sugeriu que eu talvez me sentisse infeliz no casamento,  outro estava convencido que eu estava apenas sob demasiado stresse. Embora seja verdade que eu sou uma pessoa ansiosa, é igualmente fato que tenho uma doença genética.

Infelizmente, quando os médicos não têm  certeza do que se passa – e por vezes, quando são confrontados com uma mulher com um problema de saúde – pensam na solução mais fácil. Descartando os sintomas físicos reais que o paciente aponta, apostam num diagnóstico muitas vezes errado, o que leva a um tratamento não apropriado e nada acrescenta à experiência médico x paciente.

Pior ainda, estes “diagnósticos” errados podem levar a que um doente crônico resista a procurar um psicólogo ou psiquiatra, com receio de ser etiquetado como “maluca”.

É possível ter tanto problemas mentais como físicos, mas a existência ou suspeita de um problema mental não elimina, por si só, a existência de um problema de saúde físico. O isolamento e a doença crônica, podem causar depressão mas isso não altera o fato de – a menos que consultemos um psiquiatra – estarmos à procura de ajuda para os nossos sintomas físicos e não à procura da opinião de um médico sobre a nossa saúde mental.

  •  Alguns pacientes não “encaixam” nos processos de diagnóstico comuns

Na faculdade de medicina, os médicos são treinados para começarem, em primeiro lugar, a fazer o diagnóstico  segundo a explicação mais comum, partindo daí para um diagnóstico menos comum. Embora seja ótimo ser diagnosticado com uma doença habitual, isto pode levar a um longo tempo – de 7 a 10 anos que muitos sofredores silenciosos percorrem – até conseguir o  diagnóstico correto. Sei que nosso sistema de saúde não está bem equipado e organizado para lidar com discrepâncias médicas e nossos médicos idem.

Sei que se faz necessário ter e fazer exames para um  diagnóstico mais seguro, mais os médicos nunca deveriam ignorar o que o paciente falam. É importante terem conhecimento do histórico do doente. Por vezes é aquele mal-estar que esquecemos que não se menciona que pode levar a uma conclusão acertada. Um bom médico será capaz de fazer o seu trabalho acreditando que o doente está contando a verdade sobre o que sente, será capaz de pensar “fora dos parâmetros ditos normais” até descobrir o que causa os sintomas que afligem o paciente. Exame nenhum pode substituir o relato  do paciente, e é importante que isso seja sempre tido em conta.

Posted in Blog by Administradora - Nilde Soares

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